quinta-feira, 6 de março de 2008

Saber Vencer

Estou com obras no prédio.
Mesmo no andar debaixo.
Devia ser o inquilino mais preocupado com o facto. O edifício é antigo, daqueles de pé direito bem alto e tecto decorado. Propício a rachas, se abanado.
Devia ser eu, o mais preocupado, como referi. Mas não o sou.
Desde que as obras começaram, todos os locatários fazem romaria, à vez, na porta debaixo de minha casa.
Chegam. Entram. Inspeccionam com ar de fiscais, e, de dedo em riste, ameaçam com tudo e mais alguma coisa, se alguma trave mestra for beliscada. Referem as rachas que vão aparecendo nas suas próprias casas, responsabilizando pelo facto as obras. E exigem reparação. Com todo o direito, claro. Não sei é se a vão ter, mas já lá vamos...

O chão de minha casa é constituído por tábuas largas de madeira envernizada. São as originais. Datam da construção do prédio. Diga-se de passagem que é um dos soalhos mais bonitos que já vi, o meu.
Os interstícios entre as tábuas são preenchidos por uma massa, também coberta por verniz. Quando ela se solta um pouco, os meus gatos divertem-se a retirá-la com a unha e posteriormente a jogar hóquei com o pedaço...

Hoje de manhãzinha, após o chinfrim que anuncia o começo das obras, dei com os tigres a olhar por uma das frestas. Olhei também. Eis que, ao baixar-me... pela fresta, vislumbro o chão do piso de baixo! Completamente cheio de entulho...

Que fiz eu? Peguei num papelinho dobrado, e escrevi nele o seguinte:

Meus caros:
Isto não era suposto acontecer, pois não?


A seguir cosi o papelinho a um longo fio branco. Meti-o por entre a fresta e deixei-o cair, preso pela linha, à altura do olhar dum homem de estatura média. Colei a ponta com fita-cola, fui tomar banho e vestir-me.
Quando desci, a porta encontrava-se aberta. Entrei com o meu sorriso nº7.
O senhor que estava encarregue da obra era russo e não percebia nada de português. Tinha, numa mão, o meu papel, e na outra, um telemóvel com o qual falava com o patrão. Sorrindo, estendeu-me o telefone.
Tive uma conversa bem disposta com o meu interlocutor, que se prontificou a reparar, o mal causado, logo no fim do dia, pedindo-me desculpas. Eu respondi que podia esperar...
E vou esperar.
Pelo fim das obras. E sei, que nessa altura, os senhores que estão lá em baixo a martelar, virão cá acima e não só me vão reparar a fresta como as rachas que há algum tempo tenho no tecto do atelier, e outras ainda que eles descubram.

Porquê?
Porque agi na altura certa e da forma mais eficaz.

Também tinha anteriormente sido convocado para a romaria:
" vá lá vizinho, a união faz a força..." Educadamente respondi que sim, também eu iria lá de dedo em riste, mas naquele dia... não, porque estava com pressa.

Não fui, porque sei umas coisas...

Quem faz obras num prédio, está habituado às tais romarias, inspecções, denúncias etc. Como qualquer profissional que tem funções ingratas e impopulares, cria as suas defesas, os seus anticorpos, os seus truques. Entrarem por ali de dedo em riste a ameaçar com fiscalizações é para eles motivo de bocejo...
Agora, levarem com um papelinho pelo tecto...essa seguramente nunca lhes aconteceu.
Foi um momento de bom humor, que me dará os seus frutos, já descritos.

Sou um adepto de estratégia, e, em qualquer confronto, ao contrário da maioria, procuro logo o flanco do adversário. Mesmo que ele nem sequer saiba da sua existência, encontro-o sempre. E é por aí que vou. Sou criativo no ataque e na conquista dos meus objectivos. E respeito, metafóricamente, um dos princípios do Sun Tzu: em caso de vitória, mantém intacto o exército alheio.

Tivessem os americanos respeitado essa máxima e teriam outro Iraque diferente do que lhes queima agora as mãos...

Venham aprender com este inquilino dum prédio antigo, em Lisboa...
Não. Não fica em África...

13 comentários:

Afrika disse...

Bem... que dizer?! Pra já, invejo-te o prédio antigo onde moras são uma relíquia em extinção! e como apreciadora de arquitectura clássica pois... continuo a invejar-te!

De resto, so consegui reter "Sou criativo no ataque"... quem fala assim!...

Rocket disse...

Afrika

Caramba, devo andar a escrever demais...
tenho que tirar urgentemente um curso de síntese LOL

bjinhos

Anónimo disse...

A educação e o civismo nunc afizeram mal a ninguém, não é?

Rocket disse...

Kikas

Sem dúvida. E bem utilizados podem ser uma útil vantagem nesta selva...


bjs

Carla disse...

fino humor...e que bela capacidade de surpreender.

Rocket disse...

carla

Obrigado e... parabéns. Porque o receptor também está bem apetrechado, em capacidade de avaliação.
Quanto à surpresa, é um bom elemento da estratégia...

beijinhos e obrigado pela visita

Leonor disse...

Bem, o que eu já me ri com isto ... é que só de imaginar a cena ... lindo! Quanto ao resto, tu e a estratégia, mas é clario que sim, que tens razão, há aproximações e aproximações ...algumas deixam-nos desarmados!

Anónimo disse...

Ana disse.....
Olha vê là se nao vais tu e os gatos pararem là abaixo!
bjs

Rocket disse...

mlee

É claro que sim. Mas também não contei tudo.
Por exemplo o meu sorriso nº7...nem mais nem menos que a transmissão subliminar do "aquilo que vocês estão a demorar diias a partir eu parto em 10 m se me contrariarem..."
Se fosse pequenino e inofensivo a coisa não funcionava.
Mas trabalho para o contrário: nas aulas de body pump sou o animal que levanta mais, sem pestanejar...


bjinhos

Rocket disse...

ana

Obrigado pelo cuidado. Então é que chegando lá partia mesmo tudo...
AMs não verifiquei, e eles, a solidez da coisa...


bjinhos

Rocket disse...

...mas

Anónimo disse...

Ana disse....
Vê também se nao aparecem também rachas nas paredes....sabes que mesmo nos prédios mais modernos isso acontece quanto mais em prédios tao antigos como esse!

Rocket disse...

Ana

Obrigado. Felizmente, o que referiste pertence ao meu leque de atenções...


bjinhos