segunda-feira, 23 de março de 2009

Inimigo


É inevitável. Quando se fala em pedófilos ou criminosos sexuais, quem debate ultrapassa a condenação e vai logo direito à pena: as invariáveis castração ou morte dolorosa, daquelas que duram horas de insuperável sofrimento.
O surpreendente é que, nestas situações, quem julga e condena não poderia ser mais manso: Mulheres e homens dóceis, de excelente coração, gente que a própria violência que manifesta nestas ocasiões a horroriza a um nível insuportável. Os que desviam a cara a qualquer situação de horror ou sofrimento, os que não suportam ver um animal faminto ou atropelado, uma criança com fome, alguém em agonia…
São os primeiros a declarar o inferno. O empalamento, esquartejamento, o esfolar em vida…
Como é possível?
O fenómeno, compreendido, tem sido usado por generais e ditadores ao longo dos séculos.
Recordo-me de uma cena de ‘’O homem que queria ser rei’’ com o Sean Connery e o Michael Caine, em que o chefe duma aldeia caracterizava os habitantes da aldeia inimiga como animais cruéis que matavam, violavam… e urinavam na parte de cima do rio quando os seus aldeões se banhavam…
Trata-se da desumanização do inimigo.
Quando nasce um oponente, no horizonte de alguém, existe uma barreira a ser quebrada. Somos todos Sapiens. São maiores as semelhanças que nos unem que as diferenças que nos separam, e todos possuímos um sistema moral que privilegia a alimentação do factor gregário, ele mesmo dependente da simpatia, empatia, compaixão e outros valores que reforçam as semelhanças entre nós. Necessitamos disso para viver em sociedade.
Assim, os factores imprescindíveis para uma boa relação social são os primeiros alvos a abater numa situação de conflito.
Como, num estado de sanidade mental, não nos conseguimos agredir a nós próprios, também não é fácil conseguir que nos tornamos agressores de outrem que partilhe as nossas características. Alguém parecido connosco. Portanto, o que é necessário , para manter ou alimentar um conflito, é fazer crer que o inimigo é mesmo diferente de nós. O Mais possível.
Mas na verdade, ele não o é.
E não é fácil desmentir evidências. É aí que entra em campo a propaganda, a desinformação, a calúnia organizada.
Muitos se lembrarão dos cartazes de propaganda da II Guerra Mundial. Os judeus eram representados pelos alemães como criaturas diabólicas, nosferatus corcundas de nariz adunco e olhar maligno cujas sombras rivalizavam com a própria escuridão. O olhar dos japoneses, nos cartazes americanos, esse, era indefinido, oculto pelo rasgo das pálpebras, coberto ainda pelas grossas lentes dos óculos redondos: ausência de olhar é ausência de alma. Os dentes incisivos afiados ameaçavam a fatia do Pacífico, Índico e a costa da Califórnia…
Há quem diga que a Caricatura nos jornais teve o seu incremento com a emergência dos conflitos em que o inimigo era representado por animais ferozes e o amigo, ou vítima, pelos animais mais simpáticos da criação.
A recente polémica detonada por uma caricatura em que é representado, no New York Times, um chimpanzé, com alusão aos planos económicos do executivo de Obama recorda bem as raízes bélicas da Caricatura.
Contudo, não é necessário o esforço de desumanizar pedófilos, violadores ou serial killers, eles, por si, tornam-se diferentes para todos nós. São animais a abater.
Mas não. Não são.
São apenas seres humanos doentes. Como com os ‘’lunáticos’’ ou as ‘’histéricas’’ no século dezanove, a sociedade do emergente século vinte e um ainda não está preparada para lidar com eles de outra forma que não violenta.

terça-feira, 10 de março de 2009

notre dame

''Se vocês não nos tratassem mal, não seria necessária a existência dum Dia Internacional da Mulher''

''Cada uma de nós deveria matar três homens. Seria uma excelente maneira maneira de comemorar o dia''

''Os homens não se apaixonam. APIxonam-se''

Achei graça a todas, por isso as publico, mas a do meio é uma impossiblidade matemática...

terça-feira, 3 de março de 2009

O dia da verdade

O brilho da sedas das gravatas Hermés não lhes define o padrão no ecrã das Internacionais RTP ou SIC, que por aqui me dão notícia do que se passa em terra lusa. De resto, tudo brilha em Portugal quando colado ao corpo de alguém. Assisto, ao longo dos telejornais, ao desfilar de gente que bem poderia ter abastecido o seu guarda-roupa na Rodeo Drive ou na 5ª Avenida.
Quem não for português e assistir a um noticiário televisivo ou a um qualquer programa onde apareçam pessoas, adivinha prosperidade pelo cuidadoso e rico atavio das gentes e por todo o luxo que as envolve. Roupa de marca, impecavelmente tratada, as ruas repletas de reluzentes topos-de-gama, interiores design, iniciativas de milhões, flashes, abundância luminosa e colorida... Dir-se-ia um país produtor de petróleo, diamantes, plutónio, platina... Ou tecnologia de topo: automóveis, aviões, megaestruturas. Enfim, qualquer coisa, ou coisas, que fornecessem a quantidade necessária de dinheiro que pague tanto luxo.
Lisboa é uma cidade rica na sua aparência. Centros comerciais gigantescos, prédios moderníssimos. E tudo começa no aeroporto, cintilante. Seguem-se as ruas pejadas de carros ou motas de luxo, tudo conduzido por gente com um aspecto milionário.
Outras capitais europeias não exibem tamanha prosperidade. Lembro-me, há poucos anos, do parque automóvel espanhol quando Espanha era a nona economia mundial: velho e remediado.
Ou do aeroporto de Heathrow: uma possível segmentada estação de metro. Ou do poeirento JFK, com taipais a abanar. E, antes da crise, eram estas as economias fortes.
Quando miúdo, as riquezas do meu país eram o vinho, o azeite, a cortiça. Era o que se encontrava registado nos livros escolares. Mais tarde juntaram-se-lhe os textéis, o calçado, o turismo.
Tudo isto agora não vale nada. O vinho português mergulhou num mercado saturado por países que descobriram como é fácil gerar o néctar a partir de castas. Chile, Argentina, África do Sul, Estados Unidos... todos concorrem pelo ouro nas feiras internacionais.
O azeite disputa o mercado com gregos, espanhóis e sobretudo italianos. Todos com fortíssimas estratégias de marketing viradas para a exportação. Até a azeitona é vendida com cuidadosa apresentação e processamento de tempero.
A cortiça ainda vai saindo, mas...
Os textéis e o calçado estão como sabemos e o turismo encontra-se em quebra. Vendemos praias de água fria mais caras que as outras.
Uma possível indústria era o mobiliário, mas não se apostou no design...
Outra fonte de rendimento era o próprio consumo. Portugal era um país com milhão e meio de funcionários do Estado. Passou a um milhão. Como é improvável que se siga o destino da Islândia, pelo menos esse milhão assegura algumas lojas abertas. Mas nada que justifique tamanha abundância.
De onde vem então o dinheiro para tanto luxo? É a pergunta que a mim próprio faço ao olhar para a imensidão de mármore da Sede da Caixa Geral dos Depósitos.
Não sei. Mas sei que o dinheiro que por aí andava nos ecrãs dos computadores dos bancos era de mentira. E julgo que era ele, e não aquele dos rolos de notas, que pagava isto tudo.
Como todas as fraudes, esta também foi descoberta.
Mas parece-me que em Portugal ainda não se sabe disso.
É uma sensação bem desagradável tentar imaginar o dia da verdade.