terça-feira, 3 de março de 2009

O dia da verdade

O brilho da sedas das gravatas Hermés não lhes define o padrão no ecrã das Internacionais RTP ou SIC, que por aqui me dão notícia do que se passa em terra lusa. De resto, tudo brilha em Portugal quando colado ao corpo de alguém. Assisto, ao longo dos telejornais, ao desfilar de gente que bem poderia ter abastecido o seu guarda-roupa na Rodeo Drive ou na 5ª Avenida.
Quem não for português e assistir a um noticiário televisivo ou a um qualquer programa onde apareçam pessoas, adivinha prosperidade pelo cuidadoso e rico atavio das gentes e por todo o luxo que as envolve. Roupa de marca, impecavelmente tratada, as ruas repletas de reluzentes topos-de-gama, interiores design, iniciativas de milhões, flashes, abundância luminosa e colorida... Dir-se-ia um país produtor de petróleo, diamantes, plutónio, platina... Ou tecnologia de topo: automóveis, aviões, megaestruturas. Enfim, qualquer coisa, ou coisas, que fornecessem a quantidade necessária de dinheiro que pague tanto luxo.
Lisboa é uma cidade rica na sua aparência. Centros comerciais gigantescos, prédios moderníssimos. E tudo começa no aeroporto, cintilante. Seguem-se as ruas pejadas de carros ou motas de luxo, tudo conduzido por gente com um aspecto milionário.
Outras capitais europeias não exibem tamanha prosperidade. Lembro-me, há poucos anos, do parque automóvel espanhol quando Espanha era a nona economia mundial: velho e remediado.
Ou do aeroporto de Heathrow: uma possível segmentada estação de metro. Ou do poeirento JFK, com taipais a abanar. E, antes da crise, eram estas as economias fortes.
Quando miúdo, as riquezas do meu país eram o vinho, o azeite, a cortiça. Era o que se encontrava registado nos livros escolares. Mais tarde juntaram-se-lhe os textéis, o calçado, o turismo.
Tudo isto agora não vale nada. O vinho português mergulhou num mercado saturado por países que descobriram como é fácil gerar o néctar a partir de castas. Chile, Argentina, África do Sul, Estados Unidos... todos concorrem pelo ouro nas feiras internacionais.
O azeite disputa o mercado com gregos, espanhóis e sobretudo italianos. Todos com fortíssimas estratégias de marketing viradas para a exportação. Até a azeitona é vendida com cuidadosa apresentação e processamento de tempero.
A cortiça ainda vai saindo, mas...
Os textéis e o calçado estão como sabemos e o turismo encontra-se em quebra. Vendemos praias de água fria mais caras que as outras.
Uma possível indústria era o mobiliário, mas não se apostou no design...
Outra fonte de rendimento era o próprio consumo. Portugal era um país com milhão e meio de funcionários do Estado. Passou a um milhão. Como é improvável que se siga o destino da Islândia, pelo menos esse milhão assegura algumas lojas abertas. Mas nada que justifique tamanha abundância.
De onde vem então o dinheiro para tanto luxo? É a pergunta que a mim próprio faço ao olhar para a imensidão de mármore da Sede da Caixa Geral dos Depósitos.
Não sei. Mas sei que o dinheiro que por aí andava nos ecrãs dos computadores dos bancos era de mentira. E julgo que era ele, e não aquele dos rolos de notas, que pagava isto tudo.
Como todas as fraudes, esta também foi descoberta.
Mas parece-me que em Portugal ainda não se sabe disso.
É uma sensação bem desagradável tentar imaginar o dia da verdade.

10 comentários:

João Roque disse...

Amigo Rocket
é um prazer ler-te de novo...
Sobre o que dizes, penso que muita gente já está a viver esse dia da verdade.
Abraço.

Unknown disse...

Olá, bolas pensava k te tinha acontecido alguma coisa...ainda bem k estás em alta.
Pois é meu caro, cada vez se vive mais das aparências em Portugal, parece tudo magnânimo, mas qd se vai ver passa-se fome para sustentar os luxos.

Bjokas e sê bem vindo

Vitória disse...

É as aparêndias iludem meu querido;)

Foi bom saber que ainda aqui andas;)

Beijo ternurinha

Li disse...

Olá outra vez, depois de tanto tempo.
Espero que esteja a correr tudo bem contigo...
Quanto ao que escreves, tens muita razão...a maioria das pessoas neste país vivem de aparências. Preferem passar fome ou terem uma casa a cair aos bocados, mas passearem em grandes carros e ostentarem luxo em roupa e jóias. Por isso é que há tanto crédito mal parado...de tal modo que já fazem créditos para pagarem outros créditos...enfim...é a lei da má orientação...

bjitos

Consuetudo disse...

Chego aqui hoje, depois de muito tempo sem o fazer, e verifico que cá estiveste um dia antes...Impressionante. Coincidências?
Pá, quanto à cena das aparências, é assim: Já no tempo dos Descobrimentos, os gevernantes da altura pavonearam-se com lantejoulas e outras cretinices voluptuárias, portanto, o que vês hoje, é mais do mesmo. Os Portugueses são uns artistas. A verdade é que se andares em Lisboa com um carrito mixuruca, até os cães(Poodles) das senhoras te rosnam com desdém, mas se vieres de Mercedes com matrícula recente, até distraído, podes pisá-los, que tudo farão para disfarçar o sofrimento pelos ossos do pé esmagados, e ainda te tentam acenar ao mesmo tempo que servilmente te sorriem, num esgar de dor, na esperança que tu lá do alto lhes retribuas o gesto.
Gosto de saber das tuas alegrias, por essas terras quentes, de gentes que o também são...e, foi demais o video do gajo que tá a fazer um sucesso aí. É surreal! Aquilo só tu! Entretanto, tenho estado aqui a escrever isto e a ouvir a maravilhosa selecção musical com que brindas os teus convidados neste rico blogue- SLAVE to the Rhythm-, já ouvi a Cachopa dos Heróis do Mar, e ía-me cagando a rir, com as recordações que me assaltaram, de nós a curtir grandes músicas.

Um grande abraço, de saudades iguais.

Su disse...

gostei de saber.t bem


qto ao escrito sempre foi assim....ou nem por isso..........

....mais, continua sendo


jocas maradas

Pearl disse...

Gosto imenso de ler as tuas intervenções!

beijo

Tite disse...

Eu também acredito que a verdade ainda não veio à tona de água.
Se há alguma coisa que eu acho que esta crise vai contribuir é para a moralização da Sociedade.
Chegando ao fundo do poço muitas mentalidades têm que ser modificadas.
Quando isso acontecer as cabeças pensantes terão que, também elas, se sujeitar às novas leis.
Se os pobres têm que viver com pouco, eles terão que dar o exemplo e reduzir muitos dos seus privilégios. Como poderão arrecadar lucros se os pobres não têm dinheiro para lhes comprar os produtos?

Continuação de boa estadia por terras de diamantes e petróleo.

DESIRE disse...

Tem selinho de oferta no meu blog!
Um resto de bom domingo!
Beijos prometidos

Parisiense disse...

Que bom voltar a ter noticias tuas, mesmo se elas são para ver uma realidade dura e á diustância de um país cada vez mais falso e mais podre.

Como diz uma cunhada minha que está cá de férias (é secretaria de direcção na Peugeot França, vive em Paris)e diz ela em Portugal as pessoas devem ganhar bem, é 3 e 4 carros em cada casa, muitas pessoas usam roupas de marca ( mas todos se queixam)....enfim é a imagem que o n/país dá.

Mas o que interessa mesmo é que está tudo bem contigo.
Vai dando noticias tuas.
Beijokitas