segunda-feira, 12 de maio de 2008

entre aspas

Seguem-se dois excertos, adaptados, do Homem Voador. Trata-se de uma obra de ficção acabada em 2004.
Foram baseados, contudo, em relatos de visitantes a um país africano.
Um foi em negócios e os seus contactos efectuaram-se ao mais alto nível.
O outro foi trabalhar como assalariado.
Acusem-me de falta de imaginação, mas o livro tem 321 páginas. E é sempre interessante dar a conhecer histórias que o sejam...

Certo?...

«...liguei o Mac adormecido, com um raspar do rato em cima da mesa, e o fino tabuleiro verde escuro à minha frente iluminou-se num caótico mosaico de janelas brancas.
Tinha chegado um mail do Máximo. Encontrava-se num país africano, com o Melo, a concretizar mais um negócio milionário. Nunca cessava de se surpreender a cada visita naquelas latitudes, escrevia. Tratava-se de um país tropical, abrasador todo o ano, e tinha visto na garagem do tipo com quem estavam a negociar, que era um ministro… um par de limpa-neves filandeses, novinhos em folha. Resplandecentes. Escreveu que ficou paralisado ainda algum tempo, a olhar para aquilo de boca aberta, até o tal ministro mostrar um certo desagrado impaciente.
Mais um gole.
Então o Melo estava em Angola.»

...

«...choquei com uma gaja, que me molhou de scotch aguado. Bem, graças aos deuses não era coca-cola ou cuba-livre ou alguma dessas merdas coloridas… Ela pediu-me desculpa em câmera lenta e afastei-me com os seus olhos pastosos colados à minha visão periférica. Ia procurar o pessoal. Mas encontrei o Guilherme. Já não o via há um ano.
— João Marcos!
— William, que é feito de ti… foste para Angola, não é? e que tal?
— É o máximo, meu, faz-se lá uma vida fantástica. Arranjei lá um grupo porreiro, de malta daqui, e aquilo é tudo nosso.
Tirei mais uma cigarrilha, e com ela presa num sorriso, ia perguntando… — Ah é? E o país, como está?
— Uma confusão. Mas com o fim da guerra as coisas começaram a mexer. Nascem coisas em Luanda como cogumelos, de um dia para o outro.
— E tens lá casa, ou vives no hotel? — continuava com o meu interrogatório... quem sabe se um dia não precisaria lá de guarida…
— Estou numa casa com um amigo meu e... com o avô dele… — disse-me, com um ar arrastado e triste.
— Com o avô?— perguntei, espantado, a levantar a cigarrilha a vinte graus.
— Sim. Este meu amigo foi para lá trabalhar. O avô é a única família dele. Reformado, passava os dias por aí, nos bancos de jardim, a jogar às cartas. Foi lá passar uns tempos com o meu amigo… eu ainda não tinha ido para lá morar… estou lá provisóriamente, graças a Deus!… — ia-me intrigando com o relato — E…um dia o meu amigo chega a casa… quem lhe abre a porta é o avô, todo nu, e, lá dentro, no quarto de porta aberta, encontrava-se uma pitinha, que não devia ter mais de treze ou quatorze anos. Ele contou que a seguir o velho entra e é ruído de colchão durante mais de uma hora. Quando a pitinha sai, tem mesmo quatroze anos. O velho agora não quer outra coisa… lá são as quatorzinhas. O velho tem setenta e quatro anos, almoça e janta Viagra. Está a divertir-se pela vida. Eu é que já não acho graça à coisa. Moro lá, por enquanto…e dormir é mentira...
Depois de nos rirmos à gargalhada, eu, a minha cigarrilha e o Bourbon, filosofei o possível, já tocado.
Realmente… é tudo relativo. Basta de mudar de Paralelo, de época. Basta mesmo sentarmo-nos no chão e olhar para as coisas, como agora, com um grãozinho na asa, para a realidade mudar de contornos...
Aquele velho, aqui, exalaria o último suspiro no xilindró, infeliz, se continuasse a fazer merdas daquelas. Lá, está nas nuvens e não tem o mínimo problema de consciência com o que faz...»

17 comentários:

Gato Aurélio disse...

http://gatoaurelio.blogspot.com/2007/11/pleaseeee-disturbe.html

/-|

Rocket disse...

gato aurélio

Acabar com estas coisas é falar nelas muito, o mais possível...

mostrá-las...

Anónimo disse...

Aqui, arranjava uma cave/bunker, no problema.

Rocket disse...

migvic

Caves? Bunkers? Arranjas cinquenta construtoras portuguesas que te tratem LÁ do assunto...


desde que não convidem mais Geldofs...

O Pinoka disse...

Inevitavelmente fica-se com a sensação de que tudo é relativo. Depende do local em que estás.
Um abraço

Anónimo disse...

Com efeito, muda-se de paralelo muda-se o contexto; ou muda-se de época...
Obrigada pela visita e grata por estares cansado, nem com uma pintura abstracta me safo... da próxima vez um quadro em branco :) :)
Bjocas e boa noite

Rocket disse...

o pinoka

Essa foi a conclusão a que chegou o protagonista da ficção... um filósofo.

Mas para mudar as coisas é necessária acção...
Ou elas estão bem assim?


abraço

Rocket disse...

jasmindomeuquintal

Nem com um quadro em branco te safavas, aliás só de falares nisso eu apercebo-me de coisas... :)


beijos

mjf disse...

Olá!
Pois, culturas diferentes???
Mas que mexe connosco...mexe!!!

Beijocas

Rocket disse...

mjf

Existe todo um mundo de aberrações...longe?


bjos

Afrika disse...

Há muito pra dizer sobre estes dois excertos... mas, vou me ficar pelo simples dizer que o mundo é aquilo que nós fazemos dele. Digamos que sempre houve e sempre havera quem tire partido de inúmeras situações, sejam elas quias forem e que a lei do mais forte é a que prevalece.
Bj Grd BB

Afrika disse...

Gostei do que li... o livro deve ser fabuloso. Tou com saudades de ler bons livros em Português! Algumas sugestões?

osátiro disse...

Será que aqui tb não teria problemas de consciência?

Rocket disse...

afrika

ferreira de castro. obra injustamente desconhecida da maioria...

BjGBB

Rocket disse...

osátiro

quem? o velho, aqui? não consigo adivinhar o que vai por mentes doentias...

abraço

LeniB disse...

Até em Lisboa se muda de paralelo: basta ir aos arredores da Cova-da Moura, da Damaia....
bj

Rocket disse...

lenib

tens toda a razão. e acrecento mais: moro perto do campo pequeno e diria que não é necessário ir tão longe para entrar na twilight zone...