
Acordo para mais uma sexta-feira. As cortinas do quarto cumprem: ao esbater a claridade, falam dum dia menos luminoso que o que encontro mal as afasto... mentem, porque quero. Ainda meio a dormir, visto uns calções, calço uns nike e vou por aí a desenrolar os
phones schnneizer que irão bombar Daft Punk na minha corrente sanguínea e dar o ritmo à minha corrida em Talatona, um futuro Tagus Park daqui, só que umas vinte vezes maior...
Chego a casa trinta encharcados minutos depois e faço quarenta flexões no meu quarto. Lembro-me do Covey: ''Se não conseguires fazer as tuas cinquenta flexões não conseguirás que a tua equipa faça as suas vinte''.
No problem, Covey, faço as que quiseres e a minha equipa segue-me até ao inferno, a encher, com um sorriso nos lábios.
E é esse o desempenho da mesma durante mais um dia de trabalho.
Um deles, no princípio, perguntou-me se seria possível irem a Lisboa ter um período de formação, o que no caso dele queria dizer... ver gajas. Respondi-lhe, metálico, que comigo iria ter a melhor formação, com um nível que nunca encontraria em Lisboa. Agora eles próprios recordam a conversa, gratos. Deixa estar, Gajas, há-as por cá. Mas eu não lhes ligo nenhuma, por enquanto. A minha missão é prioritária. Sinto-me como um monje guerreiro. E ficou lá alguém que me espera. Eu continuo também eu à espera, embora me veja por aqui durante muito tempo.
Estou farto de ser europeu.
Uma condição que ganhou um novo significado, para mim.
Um ser urbano, decerto. Culto, sem dúvida. Mas alguém a quem retiraram a natureza. A única que lhe resta é a sua, na qual chafurda. Um ser sem árvores, planícies, bandos de patos selvagens. Resta-lhe apenas o prado seco da sua alma. O meu
weblog é disso exemplo...
teria Hegel vivido dias tão intensos como estes meus de agora?
Só a viagem de mota até à Casa me secou a transpiração que mapeava a camisa. Nem o banho, nem o ar condicionado conseguiram travar o suor que a minha corrida me soltou dos poros.
Todos chegam de jipe. Eu chego todos os dias ao trabalho de peito aberto e cabelos colados. Pelo vento.
Sou o último a sair, a uma sexta-feira...Muito trabalho, pois. Sou interrompido, no fim do dia, por dois gajos que entram por ali, no andar de baixo, um deles é o guarda, de
kalash carcomida a tiracolo. O outro vem lá procurar trabalho e sente-se aborrecido por ninguém estar lá para o receber ou algo do género, a exibir mau feitio. Com um sorriso amarelo continuo o meu trabalho, até ser interrompido de novo. Desço, sem sorriso algum, com ar de levar gajos e
kalashnikovs, tudo à frente. ''Era só para dizer que o assunto está resolvido, chefe. Tudo fixe...''.
Saio. Às seis da tarde em Luanda é Noite. E já passaram duas horas. Está um calor magnífico, esbatido pelo vento que me molha a cara durante a viagem de mota até casa, onde chego, e saio, sessenta minutos depois. Ainda tenho tempo para manter uma conversa com uma amiga especial e dar-me conta no
reader pelos títulos dos blogs que longe, muito, muito longe existem gripes e outonos e crises e o raio que parta isso tudo... Caramba, um gajo para se deprimir tem de ir à Europa...aqui é impossível!
Chego à Ilha dos contrastes, a Ilha de Luanda. Topos-de-gama passam numa estrada esburacada, separada por blocos de betão cravados pelo vértice inferior e assim assentes, oferecendo os outros cinco aos pneus que os rasam... Uma voz feminina dentro do carro fala dos professores de ginástica soviéticos enquanto um jipe Lincoln Navigator gigantesco esmaga a estrada que ficou para trás. Putos saem disparados de cruzamentos com as
scooters em cavalinho. Estaciona-se o carro num local impensável em Lisboa, onde cabem menos. Aqui o pessoal adapta-se a tudo, e os carros ajeitam-se aos espaços diminutos.
Está muito calor. Mas bom.
O longo estrado de madeira do
Chillout, assente na idílica praia, funciona como um espectáculo ao contrário: encontramo-nos no palco e a acção encontra-se à frente, no Oceano repleto de navios em fila interminável. Nunca se viu nada assim. Ficam ali dois meses, cada um, à espera da sua vez de entrar no porto. Um outro está na calha para ser construído, e aquela fila será uma longínqua lembrança. Mais uns quatro anos e Angola fará o mesmo que todos os países anteriormente roubados pelo ocidente estão agora a fazer: a comprá-lo aos pedaços...
São países como este que, mal ou bem, representam o futuro do planeta, agora falido pela lógica da gravata que dos pescoços passou para a economia... A verdade vem sempre ao de cima, e este dinheiro que andava por aí era mentira.
A minha amiga vai descrevendo as características das angolanas que estiveram na europa e as que são de cá, em maneira de exposição de manual de engate a quem chega. Eu sorrio, ele é muito mais bonita que qualquer uma delas, mas proibida. Todas o são, para mim. Não quero saber. Estou cá para trabalhar, gajas nunca me faltaram, nem em Lisboa nem em lado nenhum. Neste momento seria um problema a mais, em troca de momentos de prazer.
Tenho a sorte de poder escolher os meus problemas, vou continuar a gozá-la. É uma sorte impagável e magnífica, esta que vem no pack de renascimento, não vos passa pela cabeça...
Os gajos são uma tristeza. Escolhidos a dedo pelo seu aspecto medíocre de gringos barrigudos de rua de Bangcok.
Mas encontram-se pessoas elegantes. Angolanas sobretudo. É uma vergonha para os estrangeiros presentes, a sua elegância.
E a música é excelente...
very becoming com todo o resto. O calor, os sorrisos, o ar livre... Angola é um país ao ar livre. Cheio de espaços convidativos a uma viagem.
Danço. Muito mesmo. Já não me lembrava de dançar assim. Ao observar quem comigo dança recordo-me dum pormenor: será que todos se apercebem que pela forma de dançar se vê como se fornica? Contenho-me um pouco, a sorrir... Vou desvendando segredos, ano após ano, desta poça que chamamos vida.
Todos bebem, menos eu, que mantenho a minha frescura e lucidez. Vou saboreando o calor, a beleza das mulheres, de bela cabeleira gigante que se esfuma em penugem escura, que dançam em contraluz. Olho para o céu estrelado e vejo constelações desconhecidas. Estarei noutro planeta?