
É inevitável. Quando se fala em pedófilos ou criminosos sexuais, quem debate ultrapassa a condenação e vai logo direito à pena: as invariáveis castração ou morte dolorosa, daquelas que duram horas de insuperável sofrimento.
O surpreendente é que, nestas situações, quem julga e condena não poderia ser mais manso: Mulheres e homens dóceis, de excelente coração, gente que a própria violência que manifesta nestas ocasiões a horroriza a um nível insuportável. Os que desviam a cara a qualquer situação de horror ou sofrimento, os que não suportam ver um animal faminto ou atropelado, uma criança com fome, alguém em agonia…
São os primeiros a declarar o inferno. O empalamento, esquartejamento, o esfolar em vida…
Como é possível?
O fenómeno, compreendido, tem sido usado por generais e ditadores ao longo dos séculos.
Recordo-me de uma cena de ‘’O homem que queria ser rei’’ com o Sean Connery e o Michael Caine, em que o chefe duma aldeia caracterizava os habitantes da aldeia inimiga como animais cruéis que matavam, violavam… e urinavam na parte de cima do rio quando os seus aldeões se banhavam…
Trata-se da desumanização do inimigo.
Quando nasce um oponente, no horizonte de alguém, existe uma barreira a ser quebrada. Somos todos Sapiens. São maiores as semelhanças que nos unem que as diferenças que nos separam, e todos possuímos um sistema moral que privilegia a alimentação do factor gregário, ele mesmo dependente da simpatia, empatia, compaixão e outros valores que reforçam as semelhanças entre nós. Necessitamos disso para viver em sociedade.
Assim, os factores imprescindíveis para uma boa relação social são os primeiros alvos a abater numa situação de conflito.
Como, num estado de sanidade mental, não nos conseguimos agredir a nós próprios, também não é fácil conseguir que nos tornamos agressores de outrem que partilhe as nossas características. Alguém parecido connosco. Portanto, o que é necessário , para manter ou alimentar um conflito, é fazer crer que o inimigo é mesmo diferente de nós. O Mais possível.
Mas na verdade, ele não o é.
E não é fácil desmentir evidências. É aí que entra em campo a propaganda, a desinformação, a calúnia organizada.
Muitos se lembrarão dos cartazes de propaganda da II Guerra Mundial. Os judeus eram representados pelos alemães como criaturas diabólicas, nosferatus corcundas de nariz adunco e olhar maligno cujas sombras rivalizavam com a própria escuridão. O olhar dos japoneses, nos cartazes americanos, esse, era indefinido, oculto pelo rasgo das pálpebras, coberto ainda pelas grossas lentes dos óculos redondos: ausência de olhar é ausência de alma. Os dentes incisivos afiados ameaçavam a fatia do Pacífico, Índico e a costa da Califórnia…
Há quem diga que a Caricatura nos jornais teve o seu incremento com a emergência dos conflitos em que o inimigo era representado por animais ferozes e o amigo, ou vítima, pelos animais mais simpáticos da criação.
A recente polémica detonada por uma caricatura em que é representado, no New York Times, um chimpanzé, com alusão aos planos económicos do executivo de Obama recorda bem as raízes bélicas da Caricatura.
Contudo, não é necessário o esforço de desumanizar pedófilos, violadores ou serial killers, eles, por si, tornam-se diferentes para todos nós. São animais a abater.
Mas não. Não são.
São apenas seres humanos doentes. Como com os ‘’lunáticos’’ ou as ‘’histéricas’’ no século dezanove, a sociedade do emergente século vinte e um ainda não está preparada para lidar com eles de outra forma que não violenta.