Em Mercenários, Stallone tentou enfiar no mesmo ecrã todos os duros da tela que ainda mexem. Só Steven Seagal e Jean Claude Van Damme faltaram à chamada. O resultado lembra as matinées
A ideia era excelente e bem transmitida pelo magnífico design gráfico do material promocional: todas as lendas vivas dos filmes de acção desta década e da outra, juntas numa explosiva megaprodução.
Um projecto tão ambicioso obrigava a um eficaz controlo remoto para atingir um resultado que não deveria ser outro que não o impecável. Mas não. Mercenários, de Silvester Stallone, anda bem longe da perfeição que se adivinhava ao observar os posters. Um mau argumento onde até o clássico ditador fantoche sul-americano de uma república das bananas já antes vista com outros nomes em inúmeros pré-dolby, e um fervilhar de clichés, alguns... bem, até agradáveis (graças aos deuses) como o da caliente beleza tropical de Giselle Itié, colocam este filme, apesar do sucesso que faz entre o público, no patamar da série B…
Não é que se deva ter nada contra o estilo — alguns filmes de série B são agora clássicos - contudo não era esse certamente o objectivo de Stallone: o que se pretendia era um filme de acção de qualidade, algo tão bom como o primeiro Rambo que Stallone desempenhou, ou os excelentes filmes da série do Assalto ao Arranha-Céus com Bruce Willis, A Verdade na Mentira com Schwarzenegger ou as películas mais recentes da série Transporter com Jason Statham, absolutamente fantásticas. Como referência, Assalto ao Arranha-Céus projectou os filmes do género a um nível para além do das matinées, e, graças ao sucesso do agente McLane, Hollywood entrou num corrupio para oferecer filmes de acção com bons argumentos, boa realização e bom elenco.
Neste, o cast é de primeira, mas fica pelo ser. Só Stallone, Li, Lundgren e sobretudo Statham, é que trabalham. Os outros apenas aparecem... ou vão aparecendo.
Mickey Rourke tem uma aparição piegas na pele de um tatuador motoqueiro que conheceu outros dias como máquina de guerra, e, perdoem-me, mas mal vi Bruce Willis e não vi, de todo, Schwarzenegger, ocupado como estava nas duas vezes que saí da sala de exibição para encontrar um arrumador que fosse transmitir ao projeccionista o facto lamentável de o filme estar a ser projectado com um enorme desfoque no ecrã. Por causa disto perdi estes dois. O desfoque continuou, e perdi também o detalhe de todos os planos de conjunto da película. Qualquer cena com mais de dois personagens e as caras desvaneciam-se lamentavelmente no fundo de elementos apenas adivinháveis… A cena do ataque picado do hidroavião deveria ter sido fantástica, em condições normais de projecção...
Ainda assim, o público vibrou e vai continuar a vibrar com aquilo que o filme oferece de melhor: as cenas de acção. Sobretudo as protagonizadas por Jason Statham, que nos brinda com a sua coreografia de combate típica e com outra coisa: algo que andava tão arredado do género, aqui tão bem feito que até parece novidade: o combate com facas e a projecção de punhais, com o apoio duma sonoplastia metálica e sibilante. Esta é também um garante de impacto nas cenas de tiroteio e explosões, como na cena em que Hale Cesar (Terry Crews) com uma arma apocalíptica - a AA 12 Automatic Shotgun, a disparar mini-granadas de fragmentação - vai vaporizando os “maus”em spray cor de rosa...
Lundgreen ganhou o estigma de mau da fita em Rocky IV e não é neste filme que o perde. Li protagoniza algumas das linhas de humor mais engraçadas, sempre com cara de pau, e Stallone indefine-se: isto de dirigir um filme onde também se entra não é para todos.
Aliás, Stallone não conduz a coisa de forma séria, e não se sabe se alguma vez foi essa a sua intenção. A sublinhar a dúvida: a última cena, depois do fim, em que a “malta” do filme vai confraternizando entre piadas. Devia ser isso mesmo o que Stallone pretendia, além da exibição da musculatura invejável para a idade. Mas é pena, com um melhor argumento poderia ter ido mais longe que este encontro de confraternização entre “ex-combatentes”…